sábado, 2 de fevereiro de 2013

A Loucura em Portugal



Publicado no "Público" deixo aqui o meu agradecimento ao Dr. Pedro Afonso que produziu o texto esclarecedor que trago também ao "Conto do Vigário".
 

Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas
esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.

Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo
epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da
Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população.

No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma
doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma
destas perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com
impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência,
urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das
crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens
infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida,

escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que
satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas
vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de
semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para
lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que
estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual
sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de
que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos

quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por
cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são
também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos
estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte,
capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade.
Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis
que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres
compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para
lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna

cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e
a família.
Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença
prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e
produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca

de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a
casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma
mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão
cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de

três anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de
desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos.

Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que,
humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes
perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas
pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel
encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil

aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de
600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se
dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público.
Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que
estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer
mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da
miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses

com responsabilidades governativas porque se dedicam
obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a
sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e
inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente
triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que
favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste
modo, as doenças mentais.
Pedro Afonso
Médico psiquiatra



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