sexta-feira, 22 de novembro de 2013

domingo, 17 de novembro de 2013

Casa Arrumada... faça-a sua e seja feliz.

Casa Arrumada ?

Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia. Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar.

[Carlos Drummond de Andrade,1902-1987]

sábado, 2 de novembro de 2013

Um Amigo de há 20 anos

Conforme prometido, aqui vai a 2ªestorinha:

2ª estorinha

Era uma vez o Alberto. Homem de iniciativa. Toda a vida que viveu até aos 55, comemorados há 2 meses, tinham sido de trabalho. Duro, muito, mas proveitoso. Sempre metido no trânsito, em reuniões, em noites de computador e de laboratório. Pensa, faz, oferece e vende, aplica, põe a funcionar. A chamada “realização profissional” no seu pleno. O dia tem 24 horas, não mais (as tais convenções horárias) e o trabalho que foi necessário desenvolver foi mais do que muito, diga-se que com agrado. O Alberto fazia o que gostava de fazer, e quando é assim o trabalho, muito e duro que seja, leva-se com facilidade. O que não significa que não canse e que às tantas, muitos anos passados sem fim de semana e muitas vezes sem feriados e sem festas, o Alberto não se sentisse farto. Farto do trabalho, farto do computador, farto das reuniões, e dos projetos, e dos clientes, e daquela parafernália toda com que era obrigado a lidar diariamente. E que fez o Alberto, homem de iniciativa e sempre de ideias “pra frentex” ? Mandou o trabalho, aquele, às malvas, mandou os sócios às urtigas e os clientes a um sítio que o Alberto esqueceu de indicar no diário que escreveu. Uma falha que se desculpa. Mudar de vida foi a decisão. Vamos para fora, anunciou à família. Vamos para longe do ruído, dos fumos, do ar condicionado, do trânsito,... de tudo o que lhe tinha enchido a cabeça durante muitos anos. E foram ! Serra da Estrela, ali perto, lugar magnífico, ar cheirando a limpo era coisa que nem sabia que existia, ribeirinho ao pé... vamos nessa, um viveirito de trutas. O Pai até era da zona, amigo do presidente da junta e compadre do presidente da câmara, foi fácil arranjar o espaço para o viveiro, tal como foi fácil arranjar o espaço para um restaurante a partir de casa de canteiros, antiga, abandonada, onde a grande especialidade iria ser, naturalmente, as trutas do seu viveiro.
 No estudo que fez sobre como criar e tratar trutas passou por França e as “Truites au Bleu” ficaram-lhe no goto e na memória. Decisão de Especialidade da casa, restaurante a funcionar. Localização parasidíaca. Acesso por caminho antigo, arranjado para manter o rústico, saibro por cima, a 500 metros do alcatrão da estrada nacional. Parque de estacionamento sem qualquer dificuldade. Começou a ser conhecido. Primeiro aos fins de semana o pessoal da Covilhã, de Manteigas e de Seia, tudo perto, tinham de fazer espera à porta. Depois até durante a semana. O êxito estava à vista. O Alberto e a Mulher, mais um Filho jovem e com o “sangue na guelra”, faziam tudo. Cozinhavam, atendiam, punham as mesas, lavavam, limpavam, arrumavam, tratavam do viveiro. Um sorriso permanente. A coisa corria. Não conseguiam lucros, mas haja Deus, o reconhecimento das autoridades, os prémios que iam recebendo, da Câmara, da Junta, do Turismo. Começaram até a ser visitados pelas televisões e pelos jornais, primeiro os locais, logo a seguir os nacionais. As revistas do jet 7, os especialistas em gastronomia, todos lá foram e todos disseram que havia ali um milagre, pela iniciativa, pela novidade, pela organização montada, pelo que significava de desenvolvimento para a região. Lá por fora já se falava no Alberto. Um Inverno particularmente chuvoso, meses de frio que a lareira mal disfarçava e que o caminho rústico, lindo até então, não aguentou. Abriu buracos, o saibro foi ribeiro abaixo com chuva dias a fio e no aperto do frio da neve que caiu e acabou fazendo gelo.  Foram meses para esquecer. Nem os fins de semana salvaram os gastos. Na Primavera, como sempre, regularmente e conforme a Mãe Natureza manda, o Sol regressou, o Céu limpou. A neve que havia caído desapareceu. Lá estavam os 500 metros desde o alcatrão até ao Alberto, praticamente intransponíveis. Mais um fim de semana em que os clientes apareceram a conta gotas. Meia dúzia deles, nem mais que 7, ainda há 1 ano eram centenas à espera, na sala de entrada, no parque de estacionamento, nos caminhos à volta gozando as vistas e o ar. Como sempre o Alberto saiu da cozinha e veio cumprimentar os clientes, dizer uma graça, agradecer a preferência, distribuir um carinho que todos recebiam com agrado. A queixa começou a ser constante acerca da aventura que representava o percurso, outrora bem simpático, dos 500 metros do acesso ao restaurante. Surpresa magnífica. Naquele Domingo quando o Alberto se aproximou da mesa 3... Armando... mas és mesmo tu, grande e demorado abraço. Mais do que um abraço, foi xi-coração dos antigos.  Estás na mesma, há quantos anos... conta, como apareceste aqui ? Ouvi falar, não sabia que eras tu, que boa surpresa, amigos há 20 anos e aqui nos encontramos tão por acaso, o mundo é mesmo pequeno, vê lá tu... já tenho netos... então e tu, pelo que vejo estás na maior, começas a ser conhecido por toda a parte, isto que tu aqui fizeste é um milagre, aqui no “fim deste mundo” da serra, sabes, tens é que arranjar o caminho, assim como está é uma chatice ! mas olha gostei de te ver, vais conseguir aqui uma fortuna... isto é um achado extraordinário... um milagre... é o que te digo. Vai outro abraço. Se precisares de alguma coisa diz, como sabes dou-me muito bem com o Cavaco e com o presidente da Fundação Gastronómica Nacional que é o braço direito da Câmara de Turismo Americano e eu trato por tu o presidente, almoço todas as semanas com ele, diz-me o que precisas. Bom, pelo que vês eu só preciso de arranjar aqui o caminho até à estrada, o resto a gente desenrasca, mas o caminho preciso de umas pazadas de saibro e a coisa está mal... o Inverno levou-me o pouco que começava a chegar e não consigo que a junta ou a câmara me dê uma ajuda, sabes, não tenho o cartão ! Alberto, conta comigo, só que não me parece que tu saibas o que queres, para valorizar mesmo as tuas magníficas trutas só vale a pena pensar numa auto-estrada, e isso é canja, eu trato-te disso de caras, ou não fossemos amigos há 20 anos. Não..., espera, isso não interessa, qualquer carrada de saibro resolve-me o problema. Nem penses, uma auto-estrada, 4 faixas para cada lado, já viste como fica o teu restaurante, grande néon a anunciar “ALBERTO”... é pá, tu és famoso, caraças... uma auto-estrada, eu trato-te disso, é a minha especialidade, não custa nada e é para um amigão de tantos anos, espera e verás. Passado um ano a auto-estrada está construída. Foi a câmara que construiu em parceria com a M&E. No final daqueles extraordinários 500 metros de auto-estrada há um grande restaurante. Placards por toda a Serra (fez parte do contrato) com setas a indicar o local. Um Néon enorme anunciando “Armando o Rei das Trutas”. O Alberto foi à Câmara saber o que se tinha passado. Amigo Alberto, sempre a considerá-lo, então diga la´em que posso ajudá-lo, bem sabe que o seu Pai ainda é meu compadre, esteja à vontade, áh a auto-estrada nova, pois, teve que fazer-se para o outro lado da serra, sabe como é, isto não é como nós queremos, o maldito PDM obrigou a ser assim, mas deixe lá que havemos de lhe arranjar uma solução, pois claro fomos eleitos pelo povo e não nos esquecemos disso, e o Alberto... o que fez cá pela terrinha ninguém esquece, olhe que irei nomeá-lo para uma medalha, não este ano não que já está tudo decidido, mas para o ano não me esquecerei... pode ter a certeza, pois adeus, volte sempre, terei sempre muito gosto em lhe ser útil, pois claro, não me esqueço que o seu Pai ainda é meu compadre... Áh o Dr. Armando..., pois... sabe, é que ele é muito amigo do Sr Ministro, até se tratam por tu e tudo... tem sido uma vantagem muito grande cá para a terra...

O Armando, depois da inauguração do Restaurante novo onde esteve acompanhado pelo presidente da Comissão Europeia que lhe deu a honra subida de estar presente, nunca mais voltou ao sítio.

O presidente da câmara foi a deputado europeu.

O restaurante do Alberto fechou e está em ruinas.

As trutas morreram. Agora são importadas de França.

FIM

JPS-26Out2013